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Suplementação de creatina no exercício: Quebrando mitos

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No último dia 09 de maio, iniciamos o ciclo de palestras Integralmédica Nutrition Academy, que tem como objetivo levar conhecimento e atualização acerca da nutrição esportiva, aliando ciência e prática clínica. Neste primeiro evento, tivemos a oportunidade de discutir com profissionais e atletas alguns “mitos” referentes ao uso de suplementos nutricionais no exercício, principalmente no tocante a efeitos deletérios e protocolos de suplementação. Optamos por discutir os suplementos creatina e proteínas, em função tanto do maior número de evidências quanto das polêmicas criadas em torno deles.

Mitos podem ser definidos como fatos desconhecidos, desprovidos de evidências sólidas, que se propagam na sociedade com o tempo, gerando padrões de comportamento.  Boa parte desses fatos tem origem desconhecida, já outros possuem a influência da interpretação e direcionamento do interlocutor. Ao falarmos de mitos nutricionais, estamos partindo do pressuposto de que não há fatos ou evidências disponíveis para discutirmos uma conduta e, portanto, as observações são baseadas em empirismo ou “achismos”. Obviamente, a ciência da nutrição esportiva é muito vasta e promissora e não se pode assumir que toda e qualquer intervenção e conduta nutricional deriva de evidências matematicamente calculadas como seguras e eficazes. Portanto, os termos chave na interpretação e propagação de fatos relacionados com a nutrição esportiva são: critério e bom senso. Ciência e prática clínica devem caminhar juntas, de modo que uma forneça subsídios à outra, em simbiose.

A indústria da suplementação nutricional mundial é bastante dinâmica e inovadora.  Constantemente, novos suplementos chegam ao mercado e são questionados quanto à sua eficácia e segurança. Um dos suplementos mais antigos da história da nutrição esportiva é a creatina, uma amina (derivado de aminoácidos) utilizada inicialmente com o objetivo de aumentar os estoques de energia muscular utilizada durante contrações de caráter curto e intenso.  Tal foi a eficácia da utilização de creatina no exercício, desde o estudo pioneiro de Harris et al. (1992), que ela continua ganhando novas aplicações em diversas populações e condições, sempre  relacionadas com saúde, desempenho e efeitos terapêuticos. Entretanto, especialmente no Brasil, esse suplemento nutricional ganhou fama de vilão quando se trata de função e saúde renal. Não podemos classificar isso como mito, uma vez que existem fatos (embora mal interpretados e facilmente rebatíveis) que fomentam tal conclusão. Daí a necessidade de critério e bom senso na escolha do material a ser tomado como referência, bem como na interpretação da informação adquirida.

De modo geral, o metabolismo da creatina é resumido em ingestão, armazenamento, utilização e eliminação do excesso.  No tocante aos efeitos deletérios postulados, devemos nos concentrar no último passo do metabolismo. O excesso de creatina é eliminado, em sua maioria, na forma de creatinina, um metabólito da creatina produzido por meio de uma reação não enzimática (uma das poucas no organismo humano) e irreversível. Dessa forma, se um paciente está realizando a suplementação oral de creatina ou até mesmo se tem como hábito dietético o alto consumo de carne, é esperado que a concentração plasmática de creatinina esteja aumentada como forma de eliminação do excesso. Entretanto, um dos marcadores plasmáticos que refletem a taxa de filtração glomerular (função renal) é o clearance (eliminação) de creatina, exame comumente solicitado na área médica. Fazendo um paralelo, imagine que um paciente irá realizar uma coleta sanguínea para avaliação da taxa de glicose no sangue. Para tanto, ele deve permanecer em jejum para que nada influencie o resultado do exame. Se, por ventura, ele fizer  a ingestão de um chocolate antes do exame, o resultado será deturpado para um diagnóstico de pré-diabetes, diabetes ou resistência à insulina, ou seja, um falso positivo. O mesmo ocorre com a creatina. Uma vez que o indivíduo faz uso desse suplemento e deseja avaliar sua função renal de modo fidedigno, necessita passar por exames que utilizem marcadores que não são influenciados pela suplementação (por exemplo cistatina-C, clearance de EDTA). Adicionalmente, seria um tanto quanto arriscado fornecer um diagnóstico tendo por base apenas um marcador de função tecidual.

A literatura atual suporta o uso da creatina em diversas populações com segurança e eficácia (veja a lista de sugestões de leitura ao final do texto). Exemplos de condições que a literatura já estudou de modo bem controlado e que extrapolam a estética são idosos, mulheres pós-menopausa, diabéticos tipo 2, nefropatas de diversos graus, etc. O fundamental é que a avaliação da necessidade de suplementação seja feita dentro de um contexto que englobe variáveis do estímulo mecânico aplicado (principalmente o volume), periodização do treinamento (quando houver), consumo dietético e padrão alimentar, entre outros.  A efetividade de um suplemento alimentar não depende única e exclusivamente do protocolo de suplementação. Pelo contrário, depende das variáveis que criam o ambiente favorável para a ação do suplemento no tecido alvo. Esse raciocínio vale para qualquer nutriente.

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Em suma, a relação entre creatina e função renal não é exatamente um mito, já que não se trata de fato desconhecido. O número de estudos em humanos é considerável, porém, necessitam ser aplicados no dia a dia com critério e bom senso.

Sugestões de leitura:

Harris RC, Soderlund K, Hultman E. Elevation of creatine in resting and exercised muscle of normal subjects by creatine supplementation. Clin Sci (Lond) 1992; 83(3): 367-74.

Wyss M & Kaddurah-Daouk R. Creatine and creatinine metabolism. Physiol Rev 2000; 80(3): 1107-1213.

Kim HJ, Kim CK, Carpentier A, Poortmans JR. Studies on the safety of creatine supplementation. Amino Acids 2011; 40: 1409-1418.

 

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