Benefícios do treinamento físico sobre o sistema gastrointestinal | Blog Integral

Os Benefícios do Treino Físico sobre o Sistema Gastrointestinal

Para começarmos, é importante lembrar a diferença entre “exercício físico” e “treinamento físico”. O primeiro diz respeito aos efeitos de uma sessão aguda de exercícios estruturados e executados durante um determinado período, que pode durar minutos ou horas. Já o treinamento físico refere-se ao efeito crônico da prática regular de exercícios físicos ao longo de meses ou anos. Essa diferença é de extrema importância, especialmente no contexto da saúde gastrointestinal, pois, de maneira geral, uma sessão de exercícios físicos causa efeitos diferentes, quando comparada com os efeitos de um período de meses de treinamento físico.

www.integralmedica.com.br/?utm_source=Blog&utm_medium=banner&utm_campaign=banner_integral_generico&utm_content=Banner-Integral-Generico

Como o próprio nome sugere, o treinamento físico promove adaptações fisiológicas sobre o organismo humano, em direção a tornar o indivíduo mais treinado, mais resistente e mais resiliente (LANCHA; LANCHA, 2016). Dentre os diversos benefícios já conhecidos pela prática regular de exercícios físicos (WARBURTON; BREDIN, 2017), destacamos aqui as descobertas que apontam os benefícios do treinamento físico sobre o Sistema Gastrointestinal (SGI), incluindo também a Microbiota Intestinal (MI).

Um dos meios pelos quais o treinamento físico pode promover adaptações sobre o SGI é através do aumento da capacidade cardiorrespiratória. Esse aumento implica em melhor consumo, distribuição e utilização do oxigênio pelos sistemas do corpo humano, incluindo o SGI. O oxigênio é uma molécula fundamental nos processos metabólicos que ocorrem dentro das células, favorecendo a ressíntese de adenosina trifosfato (ATP). Em particular, as células do SGI apresentam elevado consumo energético, pois estão constantemente expostas às condições adversas, devido ao contato com o lúmen intestinal e microrganismos presentes na MI (COSTA et al., 2017; RESENDE et al., 2019). Portanto, uma boa oxigenação para esse sistema favorece o adequado funcionamento das células do SGI, bem como limita o crescimento de bactérias que estão aderidas ao muco intestinal (ALDENBERG et al., 2014).

Além disso, o treinamento físico estimula a diferenciação das células do sistema imunológico, favorecendo a predominância de um perfil de células reguladoras e eficientes no reconhecimento de substâncias e microrganismos invasores (BERMON et al., 2015; COOK et al., 2016). Grande parte dessas células imunológicas é armazenada no Tecido Linfóide Associado ao Intestino (TLAI), presente ao longo de todo o SGI. O TLAI faz conexão também com o Tecido Linfóide Associado aos Brônquios, através do eixo intestino-pulmão, constituindo uma das maiores linhas de defesa do organismo (AHLAWAT et al., 2020). Em associação ao TLAI, as proteínas de oclusão, que mantêm as células do SGI unidas, e a imunoglobulina A (IgA), produzida por plasmócitos que estão presentes no TLAI, constituem a barreira intestinal. O treinamento físico aeróbio pode estimular a produção dessas proteínas de oclusão e da IgA, contribuindo para o fortalecimento dessa barreira (HOLLAND ET AL., 2015; CAMPBELL et al., 2016).

As adaptações promovidas pelo treinamento físico sobre o sistema imunológico e a barreira intestinal ocorrem porque, a princípio, uma sessão de exercício físico estimula a liberação de citocinas, que são consideradas inflamatórias, como é o caso da interleucina (IL-) 6. Por isso, uma única sessão aguda de exercício é considerada um estímulo estressor, porém, esse estímulo tem início, meio e fim. Quando finalizamos uma sessão de exercício, os sistemas encarregam-se de se adaptar e se proteger, caso uma nova sessão aconteça. Desse modo, o efeito crônico da prática regular de exercícios físicos será protetor, e é nesse sentido que os pesquisadores sugerem que o treinamento físico pode favorecer a manutenção da saúde gastrointestinal e, portanto, o equilíbrio da MI (CALDER et al., 2013; COOK et a., 2016; RESENDE et al., 2019). 

Corroborando para essa discussão, é observado que indivíduos fisicamente ativos tendem a possuir melhor perfil inflamatório, caracterizado por: menor circulação de citocinas pró-inflamatórias clássicas, tais como fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), IL-1β e IL-6 e concomitante aumento da IL-10, que apresenta ação anti-inflamatória; redução da circulação da proteína C reativa (CALDER et al., 2013; LUNDE et al., 2017); e menor concentração de lipopolissacarídeos (LPS) no sangue, os quais são endotoxinas liberadas da superfície de bactérias gram-negativas presentes na MI (LIRA et al., 2010; ROBINSON et al., 2015). Citocinas inflamatórias são importantes sinalizadores do organismo que permitem a comunicação entre as células e a ativação do sistema imunológico. No entanto, a predominância na circulação dessas citocinas inflamatórias pode causar danos nas células, reduzir a tolerância do sistema imunológico e favorecer o desenvolvimento de doenças inflamatórias (CALDER et al., 2013).

Benefícios do treinamento físico sobre o sistema gastrointestinal | Blog Integral

Outros efeitos observados no treinamento físico são: ativação do eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal (HPA), durante a sessão de exercício físico, e posterior ativação do Sistema Nervoso Entérico (SNE), após a sessão de exercício físico (COSTA et al., 2017). O SNE, por sua vez, controla o trânsito intestinal, a motilidade, o pH do lúmen intestinal, a produção de hormônios no SGI e o metabolismo dos ácidos biliares favorecendo a circulação entero-hepática (WERTHEIM et al., 2009; RESENDE et al., 2019).

Todos esses efeitos e mecanismos mencionados, evidenciados em diferentes modelos de investigação científica, corroboram para esclarecer os benefícios observados em pessoas fisicamente ativas, que apresentam menor risco para desenvolver câncer de cólon (WOLIN et al., 2009), diverticulites (AUNE et al., 2017), doenças inflamatórias do intestino (JOHANNESSON et al., 2015) e constipação crônica (GAO et al., 2019). Assim, sugere-se que todas as adaptações mencionadas, promovidas pelo treinamento físico sobre o SGI, tornem o lúmen intestinal mais favorável à sobrevivência de alguns microrganismos em detrimento de outros, de modo que aqueles indivíduos que se tornam fisicamente ativos podem experienciar modificações na composição e/ou funcionalidade da sua MI.

Diversos estudos com intervenção de treinamento físico, predominantemente aeróbio, associado a exercícios de força, promoveram mudanças na abundância das bactérias intestinais. No entanto, essas alterações induzidas pelo treinamento físico ainda não estão devidamente esclarecidas, pois os estudos divergem em relação à população que foi estudada e os métodos de análise aplicados. Por exemplo, alguns estudos demonstraram aumento dos parâmetros de diversidade da MI, enquanto outros estudos não evidenciaram estas mudanças (AYA et al., 2021).

A MI é composta por diversos microrganismos, além das bactérias intestinais, e apresenta uma estrutura dinâmica que pode ser modificada diariamente (LOZUPONE et al., 2012). Isso porque diversos fatores ambientais e genéticos são capazes de favorecer a rápida proliferação ou morte de microrganismos. Além do exercício físico, os hábitos alimentares, o uso de medicamentos, a frequência de ingestão de álcool e cigarro, o grau de poluição da cidade onde essa pessoa mora, a idade, as condições de higiene, entre outros componentes presentes no dia-a-dia, podem afetar a composição da MI. Do mesmo modo, não é incomum detectarmos microrganismos com potencial patogênico dentro desse complexo ecossistema microbiano, embora que, em um estado de Eubiose, microrganismos com baixo potencial patogênico, como bactérias comensais, serão predominantes (LOZUPONE et al., 2012; MANOR et al., 2020).

Outro parâmetro de avaliação da Eubiose é a diversidade e riqueza de espécies bacterianas. Uma maior diversidade desse ecossistema favorece a competitividade entre as espécies e, assim, maior controle sobre a proporção de microrganismos potencialmente patogênicos e maior capacidade de tolerância por parte do sistema imunológico presente no TLAI (LE CHATELIER et al., 2013; LOZUPONE et al., 2012). As evidências científicas, obtidas através de intervenções controladas de exercícios físicos em humanos, têm demonstrado que o principal efeito do treinamento físico é a capacidade de reorganizar as espécies de bactérias intestinais que estão alteradas, ou grupos de bactérias que sejam mais sensíveis às alterações do ambiente intestinal induzidas pelo treinamento físico (CASTELLANOS et al., 2019). Consequentemente, é observado aumento na produção de ácidos graxos de cadeia curta, que são metabólitos produzidos exclusivamente pela MI e apresentam função reguladora em diferentes órgãos do corpo humano, como fígado, músculo, tecido adiposo e sistema imunológico (RESENDE et al., 2019). Além disso, as mudanças sobre a composição corporal no indivíduo fisicamente ativo estão associadas com o perfil de MI, sugerindo que essas alterações na MI induzidas pelo treinamento físico podem contribuir para o metabolismo energético deste sujeito (RESENDE et al., 2019; AYA et al., 2021).

Até o presente momento, as evidências nos levam a compreender que um estilo de vida que inclua uma dieta com todos os grupos alimentares em quantidades adequadas à necessidade energética de cada indivíduo, bem como a prática regular de exercícios físicos, pode auxiliar a manter a homeostase do SGI e, portanto, a saúde gastrointestinal (AYA et al., 2021). Sendo assim, oito semanas de treinamento físico, com predominância de características aeróbias, são suficientes para promover melhorias substanciais sobre a capacidade cardiorrespiratória e adaptações no nível intestinal (MATSUO et al., 2014; MYERS et al., 2015; LUNDE et al., 2017; BYCURA et al., 2021). Esse aumento da capacidade cardiorrespiratória tem sido observado tanto em intervenções de exercícios contínuos ou intervalados, realizados em intensidade moderada a vigorosa (60 a 85% do VO2máx). Ressalta-se que a prática de exercícios físicos extenuantes, sem respeitar o período de recuperação e o aporte nutricional adequado, pode atuar negativamente, favorecendo maior permeabilidade intestinal, com maior absorção de LPS e risco aumento de infecções, como já observado em estudos anteriores (BARBERIO et al., 2015; COOK et a., 2016).

Considerações finais

Em suma, as respostas ao treinamento físico variam de indivíduo para indivíduo e a manutenção do estilo de vida ativo é de extrema importância para que se continue usufruindo dos benefícios mencionados neste artigo (CASTELLANOS et al., 2019). O retorno ao estilo de vida sedentário compromete os efeitos alcançados e as mudanças promovidas sobre a MI (BYCURA et al., 2021). Os mecanismos de adaptação fisiológica por exercícios de força são diferentes em comparação aos exercícios com predominância aeróbia e, portanto, as adaptações sobre o SGI e sobre a MI podem ser diferentes, embora ainda estejam sendo investigadas.

REFERÊNCIAS

AHLAWAT, S.; ASHA; SHARMA, K.K. Immunological co-ordination between gut and lungs in SARS-CoV-2 infection. Virus Research, vol. 286, p. 198103, 2020

ALBENBERG, L. et al. Correlation between intraluminal oxygen gradient and radial partitioning of intestinal microbiota. Gastroenterology., vol. 147, n. 5, p. 1055-1063, 2014, doi: 10.1053/j.gastro.2014.07.020.

AUNE, D.; SEM, A.; LEITZMANN, M.F.; NORAT, T.; TONSTAD, S.; VATTEN, L.J. Body mass index and physical activity and the risk of diverticular disease: a systematic review and meta-analysis of prospective studies. European Journal of Nutrition, vol. 56, n. 8, p. 2423-2438, 2017, doi: 10.1007/s00394-017-1443-x.

AYA, V.; FLÓREZ, A.; PEREZ, L.; RAMÍREZ, J.D. Association between physical activity and changes in intestinal microbiota composition: A systematic review. PLoS One, vol. 16, p. 1–21, 2021, doi:10.1371/journal.pone.0247039.

BARBERIO, M.D.; ELMER, D.J.; LAIRD, R.H.; LEE, K.A.; GLADDEN, B.; PASCOE, D.D. Systemic LPS and inflammatory response during consecutive days of exercise in heat. International Journal of Sports Medicine, vol. 36, n. 3, p. 262-270, 2015, doi: 10.1055/s-0034-1389904.

BERMON, S. et al. The microbiota: An exercise immunology perspective. Exercise Immunology Review, vol. 21, p. 70-79, 2015.

BYCURA, D. et al. Impact of Different Exercise Modalities on the Human Gut Microbiome. Sports, vol. 9, n. 2, p. 14, 2021, doi:10.3390/sports9020014.

CALDER, P. C. et al. A Consideration of Biomarkers to be used for Evaluation of Inflammation in Human Nutritional Studies. British Journal of Nutrition, vol. 109, n. S1, p. S1-S34, 2013.

CAMPBELL, S. C. et al. The effect of diet and exercise on intestinal and microbiota diversity in mice. Plos One, vol. 11, n. 3, p. e0150502, 2016.

CASTELLANOS, N. et al. Critical Mutualism – Competition Interplay Underlies the Loss of Microbial Diversity in Sedentary Lifestyle. Frontiers in Microbiology, vol. 10, p. 3142, 2019, doi:10.3389/fmicb.2019.03142.

COOK, M.D. et al. Exercise and gut immune func-tion: evidence of alterations in colon immune cell homeostasis and microbiome characteristics with exercise training. Immunology & Cell Biology, vol. 94, p. 158–163, 2016, doi:10.1038/icb.2015.108.

COSTA, A. V.; LEITE, G.; RESENDE, A.; BLACHIER, F. LANCHA JR, A. H. Exercise, nutrition and gut microbiota: possible links and consequences. International Journal of Sports and Exercise Medicine, vol. 3, n. 4, p. 69-77, 2017.

GAO, R. et al. Exercise therapy in patients with constipation: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Scandinavian Journal of Gastroenterology, vol. 54, n. 2, p. 169-177, 2019. doi: 10.1080/00365521.2019.1568544.

HOLLAND, A. M. et al. Influence of endurance exercise training on antioxidant enzymes, tight junction proteins, and inflammatory markers in the rat ileum. BMC Research Notes, vol. 8, p. 514-523, 2015.

JOHANNESSON, E. et al. Intervention to increase physical activity in irritable bowel syndrome shows long-termpositive effects. World Journal of Gastroenterology, vol. 21, p. 600–608, 2015.

LANCHA, L.O.P.; LANCHA JUNIOR, A.H. Avaliação e prescrição de exercícios físicos: normas e diretrizes. Editora: Manole, 1a ed., Barueri, SP., 2016.

LE CHATELIER, E. et al. Richness of human gut microbiome correlates with metabolic markers. Nature, vol. 500, p. 541–546, 2013, doi:10.1038/nature12506

LIRA, F. S. et al. Endotoxin levels correlate positively with a sedentary lifestyle and negatively with highly trained subjects. Lipids in health and disease, vol. 9, p. 82, 2010.

LOZUPONE, C.A.; STOMBAUGH, J.I.; GORDON, J.I.; JANSSON, J.K.; KNIGHT, R. Diversity, stability and resilience of the human gut microbiota. Nature, vol. 489, p. 220–230, 2012, doi:10.1038/nature11550.

LUNDE, L. K. et al. Physical activity initiated by employer induces improvements in a novel set of biomarkers of inflammation: an 8-week follow-up study. European Journal of Applied Physiology, vol. 117, n. 3, p. 521-532, 2017.

MANOR, O. et al. Health and disease markers correlate with gut microbiome composition across thousands of people. Nature Communications, vol. 11, p. 5206, 2020, doi:10.1038/s41467-020-18871-1.

MATSUO, T. et al. Low-volume, high-intensity, aerobic interval exercise for sedentary adults: VO₂max, cardiac mass, and heart rate recovery. European Journal of Applied Physiology, vol. 114, p. 1963–1972, 2014, doi:10.1007/s00421-014-2917-7.

MYERS, T. R. et al. Whole-body aerobic resistance training circuit improves aerobic fitness and muscle strength in sedentary young females. The Journal of Strength and Conditioning Research, vol. 29, n. 6, p. 1592-1600, 2015.

RESENDE, A.S.; LEITE, G.S.F; LANCHA JUNIOR, A.H. Microbiota intestinal. In: LANCHA JUNIOR, A.H. & LONGO, S. Nutrição: do exercício físico ao esporte. Editora: Manole, 1ª ed., Barueri, SP., 2019.

ROBINSON, E. et al. Short-term high-intensity interval and moderate-intensity continuous training reduce leukocyte TLR4 in inactive adults at elevated risk of type 2 diabetes. Journal of Applied Physiology, vol. 119, p. 508–516, 2015, doi:10.1152/japplphysiol.00334.2015

WARBURTON, D.E.R.; BREDIN, S.S.D. Health benefits of physical activity: a systematic review of current systematic reviews. Current Opinion in Cardiology, vol. 32, p. 541–556, 2017, doi:10.1097/HCO.0000000000000437.

WERTHEIM, B.C. et al. Physical activity as a determinant of fecal bile acid levels. Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention, vol. 18, p. 1591–1598, 2009, doi:10.1158/1055-9965.EPI-08-1187.

WOLIN, K.Y.; YAN, Y.; COLDITZ, G.A.; LEE, I.-M. Physical activity and colon cancer prevention: a meta-analysis. British Journal of Cancer, vol. 100, p. 611–616, 2009, doi:10.1038/sj.bjc.6604917.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress
Rolar para cima